O Ensaio de Toda uma Vida
Houve um menino que se filmava sozinho, rindo, narrando o mundo com a naturalidade de quem
ainda não conhecia o peso da vergonha. Ele falava para uma câmera invisível,
inventava programas de auditório, criava entrevistas imaginárias.
Esse menino cresceu. Foi artista, jornalista, amante, marido.
Entre cigarros, palavras e pincéis, ele acreditou ter perdido muitas vezes o fio da sua própria história.
Como quem olha para a pele ferida no espelho e não reconhece o rosto, apenas o oráculo escrito
em carne. Mas havia sempre algo que o puxava de volta: a sensação de que não estava só.
Doze deuses murmuravam ao seu redor, lembrando-o que cada tropeço era apenas ensaio.
E eis que, agora, ele compreende: todos os anos de silêncio, todas as tentativas, todos os amores
e rupturas, foram ensaio.
O Tarot como Espelho
As cartas que pintou, guardadas como relíquia, agora voltam como destino. Elas não são apenas
arcanos: são a flecha que Oxóssi pôs em sua mão, o tambor que Exu fez ressoar no peito,
o cálice de Afrodite ainda molhado de lágrimas, o cetro solar de Apolo.
Cada arcano é um pedaço de sua biografia.
O Louco — o menino filmando-se. O Enforcado — os anos de paralisia e dúvida. A Torre
— o fim dos seis anos de amor que ruíram. A Estrela — a esperança tatuada mesmo na pele ferida.
Não é apenas um baralho. É um altar portátil, uma obra-ponte entre a ancestralidade e o presente.
A Vida Como Virada
O que pode um baralho de 22 imagens? Pode sustentar um homem, pode mudar a narrativa de
um artista, pode curar uma linhagem inteira. Porque aqui não se trata de vender cartas: trata-se
de vender ao mundo a coragem de existir em público.
Se forem 10, se forem 100, se forem milhões, não importa. A virada já aconteceu: o menino
tímido diante da câmera voltou. Ele agora tem corpo, tem voz, tem olhos que encaram.
E se tudo sempre tivesse sido ensaio para esse momento?
Se a resposta for “sim”, então o espetáculo começa agora.
E você, leitor, já está na plateia.
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