🍇 “A Cidade Que Bebeu Dioniso”

(Miniconto Devaneante, por Bruno Stael)

Diz-se que certa vez, Dioniso chegou a uma cidade que havia esquecido o gosto da uva.

Não se tratava de seca.
Nem de proibição.
Mas de um esquecimento voluntário — como quem enterra o riso para manter a compostura.

Na entrada, um letreiro anunciava:
"Aqui, tudo tem forma."
As flores eram podadas com régua.
Os suspiros tinham hora marcada.
O pôr do sol acontecia em silêncio, para não atrapalhar os boletos.
Até os beijos eram protocolados em formulário.

Dioniso chegou disfarçado: sem coroa de videiras, sem séquito de sátiros, sem orgia.
Usava terno lilás, sapatos sujos de vinho e óculos escuros.

Na primeira noite, dançou sozinho na praça.
Na segunda, plantou um vinhedo invisível ao redor do banco central.
Na terceira, cuspiu um verso no ouvido do prefeito:

"Quem não enlouquece por escolha, enlouquece por omissão."

Na quarta noite, a cidade inteira sonhou com um lago feito de gargalhadas.
Na quinta, começaram a brotar uvas nos telhados das casas.
Na sexta, um funcionário público nu atravessou o plenário recitando Sêneca.

No sétimo dia, a cidade explodiu em flor e vinho.

E ninguém nunca mais quis saber o nome das ruas.

Dioniso partiu sem alarde, deixando para trás um rastro de glitter, um carnaval eterno,

e uma videira que ainda hoje cresce na praça central da cidade, onde os locais passaram

a se reunir e beber vinho ao redor todas as noites.

 

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