PLANETA À BEIRA DO COLAPSO


Uma conversa inconveniente entre Pablo Hernandéz e Cecília Dufresne

 Pablo Hernandéz: Parábens, Europa. Você conseguiu. De novo. O "Dia da Sobrecarga da Terra" chegou cinco dias antes do previsto. É como se você tivesse batido um recorde numa olimpíada onde o prêmio é o colapso planetário. Se todo mundo vivesse como os europeus, precisaríamos de três planetas. Mas como somos pobres, desorganizados ou simplesmente do sul global, temos que nos contentar com meio.



Cecília Dufresne: O problema não é a data. O problema é o delírio de progresso que move essa contagem. Medimos a destruição com planilhas e infográficos, mas ninguém toca no cerne: o modelo é inviável. O que chamamos de "desenvolvimento" é, na verdade, o empacotamento lento da morte em papel de presente.



Pablo: Seria hilário se não fosse trágico. Imaginem uma família europeia sentada à mesa, comendo salmão criado no Chile, manga do Brasil e camarão de Moçambique, brindando com vinho da África do Sul enquanto fala sobre sustentabilidade. Ah, e claro, o carro elétrico está na garagem, abastecido com lítio arrancado da Bolívia. Bon appétit!



Cecília: A ironia é que eles falam de "neutralidade carbônica" enquanto ignoram os corpos que constroem seus paraísos. As pegadas ecológicas não estão apenas no solo, mas também nos ossos dos que foram silenciados em nome do crescimento.

O colapso já não é um futuro distópico. Ele é o presente para muitos corpos racializados, periféricos, animais e vegetais. Os que ainda chamam isso de futuro são os que nunca foram atingidos diretamente.



Pablo: Às vezes penso que a Terra já nos declarou falidos e nós é que ainda não percebemos. Que tal celebrar o Dia da Sobrecarga com uma ceia de lâmpadas queimadas, promessas vazias e discursos de COP?

Cecília: Ou talvez, ao invés disso, com silêncio. Ouvindo a Terra. Desobedecendo as lógicas que nos trouxeram até aqui. Reaprendendo a viver com menos e sentir mais.

Pablo: Uma utopia radical? Talvez. Mas sinceramente, Cecília... entre o colapso elegante dos europeus e o devaneio ancestral dos que sonham com a Terra viva, eu prefiro sonhar.

Cecília: Sempre!



Assinam este texto: Pablo Hernandéz & Cecília Dufresne, colunistas do Jornal do Devaneio.


ATUALIZAÇÃO DA REDAÇÃO DO JORNAL DO DEVANEIO: Aparentemente, Pablo Hernandéz está hoje na redação com um belíssimo paletó florido, em que ele mesmo bordou o próprio rosto! Pablo, nosso ícone do autoamor, autoestima e da crítica que atinge como um soco. — Atualização da Redação por André, o estagiário (que secretamente queria um paletó igual, mas com o meu rosto, claro).


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