✨ Crônicas do Fim do Mundo Cotidiano

 


O Autoatendimento Chegou ao Bairro: Conversa com uma Oraculista da Caixa Registradora

Era uma tarde qualquer, dessas em que se sai para comprar pão e queijo. Entro no mercadinho de bairro. Noto assim que passo o olho no recinto: as duas caixas do fundo desapareceram. No lugar delas, máquinas de auto-atendimento.
Retangulares, silenciosas, com aquele brilho frio de tela de hospital particular.

Observo. Elas piscam como quem sorri com indiferença.
Pão, queijo, futuro distópico.

Vou até a única caixa humana ainda presente. Ela tem olhos atentos e expressão de quem já viu o que vem depois.
Passo os itens. Ela me passa uma previsão.

Ainda não demitiram ninguém, não. Transferiram pra outros mercados… por enquanto. — ela me diz.

Silêncio. Bip. Bip. Bip.
O pão passa, o queijo passa, e a esperança também parece passar — direto, sem código de barras.

Ela continua, como quem recita algo que já anda ecoando nas madrugadas:

Mas é o fim do mundo, né? Daqui a pouco não vai ter mais emprego pra ninguém. Nem aqui, nem em lugar nenhum. Vai ser um monte de gente na rua… mais violência, mais tudo. As máquinas tão vindo devagarinho, sorrindo, e a gente achando prático.

Ela não sabe, mas acaba de se tornar uma oraculista.
Não lê mãos, nem cartas.
Mas lê tendências. Sente a curva do tempo.
Pressente o desemprego como quem sente a chuva antes da nuvem.

E o mais curioso: ela fala com calma.
Como quem já aceitou.
Como quem está contando não para protestar, mas para que alguém anote.
Para que alguém testemunhe.

Saio do mercado com pão, queijo… e mais uma profecia na sacola.

No caminho de volta, o céu está esquisito.
Nuvens fazendo desenhos estranhos, meio cyberpunk, meio umbanda.
O mundo muda sem aviso. Mas às vezes, uma caixa de supermercado te avisa sim.

E você escolhe se ouve.

🌌 Para cada máquina que substitui um humano, uma voz some do cenário.
Mas também nasce um novo cronista.
O Jornal do Devaneio continuará registrando.
Porque, no fim, o autoatendimento pode até chegar…
mas o devaneio é manual. Sempre será.



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