O ÚLTIMO DEVANEIO DE ZHAR-UTÚL

 


O ÚLTIMO DEVANEIO DE ZHAR-UTÚL

As Vestes Douradas brilhavam como astros agonizantes sob o céu de ferro de Zhar-Utúl. Lys-var sentia o peso do manto a corroer-lhe os ombros — cada fio de ouro vivo, outrora pulsante com sonhos alheios, agora escurecia como carne necrosada. À sua frente, o Grande Vórtice rugia, um funil de areia e estrelas quebradas.



É sua hora, Filha do Devaneio — sussurraram os Anciãos de Púrpura, suas vozes ecoando de dentro de máscaras de cristal fumegante. — Alimente-o.

Mas as Máquinas de Sonho silenciavam. O deserto, que sempre cantarolava segredos em línguas de vento, estava mudo.



Lys-var fugiu.


Mergulhou no Mar de Silício, onde a areia se comportava como água e a água como fogo. No fundo, entre esqueletos de navios-duna, encontrou a Memória Primordial: hologramas de uma época em que seu povo era nômade, e não devorador de deuses.


O Vórtice é uma gaiola — disse-lhe o Androide dos Ossos, seu corpo remendado com placas de sol solidificado. — Vocês o chamam de deus, mas ele só quer o que lhe roubaram: histórias.


No altar do ritual, Lys-var não ofereceu sonhos. Rasgou o próprio manto.



O ouro dissolveu-se em fumaça negra, liberando milênios de devaneios engolidos. O Devorador de Tempestades emergiu — um ser feito de perguntas não respondidas, de finais truncados. Ele se contorceu, sufocado pela overdose de narrativas, e explodiu em luzes fragmentadas.


Quando a poeira baixou, Lys-var estava nua e envelhecida, os cabelos agora brancos como os ossos do deserto. O Androide arrastou-se até ela, uma perna quebrada, e perguntou:


O que nos resta?


Ela olhou para o horizonte vazio, onde o Vórtice se dissipara, e riu.


Começar. Agora inventamos o futuro. O primeiro sonho livre em milênios.








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