O Sussurro da Matita: resgatando o terror latino-americano

Entre sussurros carregados pelo vento e a escuridão da mata, a figura de Matita Pereira atravessa gerações no folclore latino-americano. Mas quem é essa entidade e por que seu nome ainda causa arrepios?



O SUSSURRO DA MATITA: RESGATANDO O TERROR LATINO-AMERICANO

O terror latino-americano é vasto, diverso e muitas vezes ignorado fora de seus próprios contextos culturais. A riqueza dessas histórias é, em grande parte, atribuída às lendas populares que são passadas de geração em geração, refletindo a luta entre o bem e o mal, o sobrenatural e o humano, mas sempre com uma forte conexão com a identidade local. Entre as figuras mais assustadoras e enigmáticas dessa tradição, encontramos Matita Pereira, uma das lendas mais sombrias e inquietantes que permeiam o imaginário latino-americano.


Quem é Matita Pereira?

A lenda de Matita Pereira é uma das mais conhecidas no Brasil, especialmente no Norte e no Nordeste do país, e tem uma origem profundamente enraizada nas tradições do folclore indígena e afro-brasileiro. Matita Pereira é muitas vezes descrita como uma mulher com longos cabelos brancos, vestindo um vestido branco, que assombra as florestas e zonas rurais, sussurrando os nomes daqueles que ousam desafiá-la. Seu nome é invocado nas horas mais sombrias da noite, geralmente com um tom de desafio ou medo, e acredita-se que aqueles que a chamam podem se perder em sua presença ou até desaparecer para sempre.

A figura de Matita Pereira tem conexões com a lenda da Matinta Perera, uma entidade mítica de origem indígena e afro-brasileira, associada a rituais de feitiçaria e poderes sobrenaturais. A principal diferença entre as duas versões da lenda é que, enquanto Matinta Perera é vista como uma bruxa, Matita Pereira em algumas versões da lenda é mais uma figura vingativa, cujo poder é invocar o medo através de sua presença misteriosa e seus sussurros.

Nos contos mais comuns, Matita Pereira é uma mulher solitária, com poderes sobrenaturais que transcendem a vida e a morte. Ela é frequentemente retratada como uma figura vingativa que age contra aqueles que a desrespeitam ou invocam seu nome sem temor. Sua origem, em muitas histórias, remonta a um passado de sofrimento ou injustiça, o que a torna uma figura ligada à dor e ao desejo de vingança.

O fascínio pela lenda de Matita Pereira está no fato de ela representar as forças invisíveis que operam na natureza, o medo do desconhecido e, ao mesmo tempo, uma figura de poder que transcende as barreiras do mundo físico. Seu sussurro é um lembrete constante de que há forças além do controle humano.




O Resgate do Terror Latino-Americano

Embora o terror latino-americano tenha raízes profundas nas culturas indígenas, afrodescendentes e coloniais, muitas de suas lendas foram marginalizadas em comparação com as mitologias europeias e estadunidenses que dominam a narrativa global. As figuras assustadoras do folclore latino-americano, como o Curupira, o Saci, a Llorona e, claro, Matita Pereira, muitas vezes não ganham o mesmo reconhecimento fora de seus respectivos países.

No entanto, a riqueza desses mitos e a forma como eles abordam questões universais, como o medo do desconhecido, a transgressão e as forças da natureza, os torna especialmente valiosos para a construção de uma narrativa de terror autêntica. A ideia de resgatar essas lendas do esquecimento é um movimento importante para redescobrir a identidade cultural da América Latina e também para enriquecer o gênero do terror, trazendo novas perspectivas e uma compreensão mais profunda dos horrores universais.

"O Sussurro da Matita" é um exemplo claro dessa tentativa de resgatar o terror latino-americano. Ao trazer Matita Pereira de volta ao centro da narrativa, o conto faz mais do que simplesmente assustar: ele explora a cultura e o folclore latino-americano, colocando as figuras e as lendas locais no centro da história de terror. Ao fazer isso, não só fortalece as tradições culturais, mas também oferece uma nova visão sobre o gênero, que muitas vezes se foca em monstros e figuras de origem europeia ou americana.

O conto não só revive a figura de Matita Pereira, mas também a coloca no contexto de uma história moderna e relevante, mostrando como a lenda se adapta e se mantém viva através das gerações. O objetivo não é apenas contar uma história de terror, mas também celebrar e preservar o folclore latino-americano, destacando as suas características únicas e a sua capacidade de tocar no imaginário coletivo de uma forma muito distinta.


Ao resgatar o terror latino-americano, estamos não apenas trazendo à tona histórias e personagens fascinantes, mas também honrando as vozes de nossas culturas ancestrais e dando-lhes um espaço que muitas vezes foi negado ao longo da história. Em "O Sussurro da Matita", essa tradição é levada adiante com respeito e criatividade, abrindo caminho para um renascimento do terror genuinamente latino-americano.


Leia abaixo!

"O Sussurro da Matita"

Na calada da noite, o vento assobiava entre as árvores da floresta densa. Um grupo de jovens, procurando por uma aventura noturna, se embrenhou na mata silenciosa. Estavam longe de casa, movidos pela curiosidade e o desejo de testar a lenda de Matita Pereira. Munidos com câmeras, sensores paranormais e lanternas, estavam determinados a provar que a história era apenas um mito. 


Segundo as lendas, Matita Pereira rondava a floresta à noite, uma mulher de cabelos longos, vestindo um vestido branco, que sussurrava os nomes dos incautos que ousavam desafiá-la. E, como sempre, o medo da possibilidade de a lenda ser real só aumentava o fascínio dos jovens.


Ao adentrar mais na floresta negra, o grupo se separou, sem querer. 


Um por um, começaram a ouvir sussurros vindos com o vento, assobios nas sombras, quase imperceptíveis, mas cada vez mais nítidos. Ecos de vozes desconhecidas e inumanas, que pareciam vir por entre as inúmeras árvores.  "Matita, é você?", disse a mais jovem e medrosa do grupo. "Matita Pereira".


De repente, um grito, seguido de uma gargalhada escancarada veio flutuando com o vento na escuridão. Eles tentaram se recompor, buscando uns aos outros, mas cada um, em sua jornada, teve uma crescente sensação de estar sendo observado. As árvores, altas e densas, se fecharam claustrofobicamente ao redor deles, seus sussurros aumentando de volume.


Em um canto escuro da floresta, um dos jovens, Eduardo, começou a sentir algo estranho: seus próprios pensamentos pareciam distorcidos, como se alguém estivesse dentro de sua mente, guiando suas ações. Ele ouviu a voz de Matita com clareza. Mas a voz não vinha de fora... e sim, de dentro de sua cabeça, como um convite suave, mas irresistível.


"Vem, Eduardo. Vem ver o que está escondido na floresta."


Eduardo não pôde resistir. Lentamente, ele foi sendo guiado entre as árvores, sem perceber que descia até um poço antigo, perdido no tempo. De repente, a figura de uma mulher apareceu diante dele. Seus olhos eram vazios e ocos, como se a própria escuridão habitasse seu ser. Matita sorriu para Eduardo, um sorriso sem dentes, e o tocou. Seu toque era frio como a morte.


Ele soltou um único grito. Em algum outro canto da floresta, seus amigos o ouviram e começaram a correr entre a mata gritando “Eduardo!” Quando chegaram onde ele estivera, já não havia mais sinal dele. O poço estava imerso em uma névoa densa, mas vazio. Nenhum sinal de Eduardo.


As risadas de Matita acompanharam todo o trajeto de retorno. E, enquanto eles tentavam fugir, o nome de Eduardo começou a ser sussurrado nas (ou pelas?) árvores ao redor, como se ele tivesse se tornado mais uma alma perdida na floresta.


No dia seguinte, o Jornal do Devaneio postou sobre o desaparecimento misterioso de um grupo de jovens. 




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