Contos de Bruno Stael: O Último Refúgio de Bruna

 


"O Último Refúgio de Bruna"

Em 1559, Bruna Sanchéz, uma jovem espanhola de cabelos cacheados e olhos verdes, havia encontrado seu lugar no mundo. Fugida da Santa Inquisição na Espanha, ela se refugiara nas margens de uma praia isolada no Brasil, onde as ondas suaves e o sol quente pareciam entender seu desejo por paz. Sua cabana, construída com taipa e coberta por folhas de palmeira, estava longe das sombras da perseguição religiosa. A liberdade tinha um gosto doce e a cada amanhecer, Bruna se sentia mais conectada com a natureza ao redor, mais próxima daquelas terras que, embora novas, pareciam abraçá-la como sua.

Aos poucos, ela conquistou a amizade e o respeito dos indígenas da aldeia próxima. Eles a chamavam de Yara, a mulher do mar, pois sua presença lembrava as águas mansas e suas histórias sussurradas de outro tempo. Ela falava sua língua com um sotaque suave e, ao seu lado, a conexão com a terra parecia mais forte que qualquer cultura ou religião. O sol se punha sobre a praia e Bruna sorria para as estrelas que começavam a despontar, sem saber que o céu ainda reservava nuvens escuras.

Como sempre, a tranquilidade é algo fugaz. Um dia, um grupo de missionários da igreja chegou à aldeia. Bruna viu, ao longe, o movimento dos homens de preto, com suas cruzes e olhares duros. Era impossível ignorá-los. Eles começaram a espalhar rumores sobre a mulher do mar, sobre seus contatos com os indígenas, suas crenças e encantamentos. A palavra heresia era sussurrada como uma lâmina afiada.


A aldeia, antes aberta e acolhedora, agora se dividia. Alguns indígenas começaram a olhar para ela com desconfiança, sussurrando sobre demônios e espíritos do mal. A igreja tinha o poder de desestabilizar tudo o que Bruna havia conquistado.



Naquela noite, enquanto o fogo queimava lentamente, Bruna se levantou e caminhou até o oceano. O som das ondas era agora um lamento, como se o mar também sentisse a perda que estava prestes a acontecer. Ela olhou para as estrelas e viu uma nova constelação surgir, uma que nunca tinha visto antes. Era como se o universo estivesse olhando para ela e murmurando: “Não, não será o fim.”

Bruna mergulhou no mar. Mas não para se afogar, como os missionários acreditariam. Ela se entregou ao oceano, que parecia lhe envolver com promessas de fuga, de refúgio. No fundo das águas, um portal se abriu — uma fenda secreta, escondida sob as profundezas — e Bruna atravessou. O mar sussurrou um último segredo: "A liberdade não é um lugar. É um caminho sem fim."




Ninguém jamais encontrou o corpo de Bruna. As histórias diziam que ela virou uma deusa do mar, ou que se uniu aos espíritos da floresta, aqueles que tinham o poder de afastar qualquer ameaça. Mas o que ninguém sabia é que ela, de alguma forma, havia feito o impossível: ela se tornou parte da própria terra, do próprio mar, e sua liberdade transcendeu qualquer prisão, seja física ou espiritual.

Hoje, os pescadores da região ainda falam dela, a mulher do mar que desapareceu, mas cujos olhos verdes ainda brilham nas profundezas do oceano, esperando por aqueles que ousam cruzar os limites da terra e do céu.





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